23.2.07

Beira

"cada negro olhar, sangue de África
centro de aldeia, bandeira, nação, zanzibar
da mesma veia guerreira do povo palmar
tudo palmeira de Beira de mar..."

Cidade da Beira. Onde estou há dez dias, trabalhando com entrevistas, o que me permite dizer que já é possível conhecer um bocadinho das pessoas e da cidade.
Beira está localizada na costa de Moçambique, e é uma cidade portuária - escrevo esse post olhando para o porto, inclusive. O porto e o cair da noite, é uma bonita imagem. É a segunda maior cidade do país, já tendo sido capital. Mas eu não sei quando, e nem vou procurar por isso agora. Preguiça.
Temos notícias, também, de que Beira foi uma das cidades mais atingidas pela guerra civil. E isso é absolutamente visível quando passeamos por aqui. Como diria Caetano, aqui tudo parece que é ainda construção, mas já é ruína.
O que me impressiona é a carência de infraestrutura na segunda maior cidade do país. Alguém me perguntou se a pobreza por aqui choca. Bom, se não chocasse, algo de muito errado estaria a acontecer, não? Então choca, é claro que choca. Mas não vamos esquecer dos rincões do Brasil. Da periferia da periferia da minha cidade. É diferente, sem dúvida. Mas igualmente chocante.
Acontece que em Beira, não é preciso rodar mais que cinco quilômetros para encontrar um bairro onde não há água: apenas fontanários, onde as pessoas pegam água em baldes. E muitas vezes andam muito para fazer isso. Por aqui vemos também muito lixo pela rua; e o problema de saneamento é gravíssimo, agravando muito as epidemias que assolam a população.
Chocante também é o índice alarmante de contaminação pelo HIV: 35% de infectados no município. E soma-se a esse desastre a falta de um sistema estruturado de saúde pública: a assistência é feita em sua absoluta maioria por ONGs estrangeiras. É verdade que há um Programa Nacional de Prevenção, mas ora, na cidade mais afetada do país, não há um programa efetivamente governamental de atenção. Não, aqui não tem SUS, mesmo com toda e qualquer crítica que possamos justamente lhe fazer.
No mais, nos habituamos aqui a dizer que estar em Moçambique é como voltar ao Brasil da década de oitenta. As roupas, os utensílios, as músicas até. Durante a guerra, o país como um todo e a cidade da Beira em particular, sofreram uma grande estagnação, impressa em todas as formas e cores por aqui.
Mas Beira não é apenas tristeza, de forma alguma. São lindos sorrisos largos, como as forma do rosto dos habitantes daqui. São muitas cores vestindo as mulheres, com suas capulanas, com as quais também amarram seus filhos a si. São pessoas que sorriem ainda mais intensamente quando digo que sou brasileira, e me oferecem suas histórias, para que eu não me esqueça nem por um minuto que aquilo tudo que eu sei ainda é pouco, muito pouco.

0 Comments:

Post a Comment

<< Home