29.3.07

"quem precisa ter nas mãos
o direito de escolher
sente o vento
livra o olhar
deixa o amor derivar"

Muito bem, ando meio sumida daqui, é fato. Isso porque eu ando cheia de coisas na cabeça, e então inevitavelmente faria o meu estilo blog-diarinho. Mas acho um desperdício fazer blog-diarinho estando na África. Acontece que em relação às histórias que eu quero contar, bem, não tenho conseguido organizá-las muito bem. Tampouco sei se conseguiria organizar as idéias para fazer diarinho, mas óquei.
Passada a lenga-lenga de justificativas-para-o-meu-sumiço, devo dizer também que estamos na fase de finalizar o trabalho, acabou o campo, é hora de sentar e escrever, e todo mundo sabe daquela minha dificuldadezinha de concentração básica. Isso talvez tenha me rendido umas dorezinhas aqui e acolá. Além disso, minha alergia a mosquitos resolveu se manifestar cinquenta dias depois da chegada, muito bem. Eu e minhas alergias, aquela maravilha toda.
E passada a lenga-lenga ai-como-eu-sofro, faz-se necessário dizer que há tempos eu prometo que vou falar sobre os régulos que entrevistei por aqui. Porque realmente são pessoas que valem a pena a gente conversar nem que seja uma vez na vida. E eu conversei com quatro deles, veja que sortuda eu sou (bom, pra falar a verdade, a estadia aqui tem sido bem afortunada, não posso reclamar não).
Continuo sem muita paciência/capacidade de tratar o assunto com o zelo que requer, mas queria contar procês que se tratam de pessoas que aqui são chamadas "au*toridades tradicionais". Tradicionais no sentido de que não se trata de líderes comunitários institucionalizados pelo poder político-institucional*, e sim líderes natos. Que quando eu perguntava desde quando, me respondiam desde antes da colonização. Então, veja bem. Se existem pessoas que carregam as tradições até os dias de hoje, são eles (ou elas - porque apesar de não ter visto uma sequer, eu ouvi falar que existe). Claro que a gente tem que contextualizar, que essas tradições, convivendo com a colonização e com as propostas todas de modernização que ocorrem e tal, vão se fundindo a outras coisas, e eventualmente se transformam.
Acho que o que eu queria mesmo é fazer uma observação no sentido de que as tradições são muito fortes e muito arraiagadas no cotidiano da população. Exemplo bom disso é uma conversa entre nós consultores, onde alguém perguntou se eles acreditavam mesmo que a doença tinha sido causada por feitiçaria. Sim, eles acreditam mesmo. E o régulo é a pessoa que trata, na estrutura comunitária, dessas questões. É ele que faz os rituais, que podem ser rituais para resolver conflito de feitiçaria feita por um morador contra o outro, rituais para pedir aos antepassados a permissão para que uma ONG inicie seus trabalhos naquele povoado, ritual de celebração da natureza, para pedir chuva ou para parar de chover. E isso aqui, na segunda maior cidade do país, distante do centro uns dez minutos, no máximo.
Pois é, e eu conversei com essas pessoas. E só posso dizer que foram experiências incríveis. Além de agradecer mesmo a eles, e a quem quer que seja, pela oportunidade.

*porque isso existe. uma grande organização comunitária ligada ao poder local (equivalente ao nosso município), que é uma coisa incrível mesmo, e que vale a pena contar. um outro dia.

22.3.07

"chão é céu
e é seu e meu
e eu sou quem não morre nunca
..."

Muito bem, hoje fui entrevistar uma autoridade aqui. Aí estava lá esperando o homem, ele chegou, e eu não sabia quem era. E no meio disso estava sentada, com meu material meio espalhado, arrumando e tal. E percebi que as duas mulheres que estavam na sala levantaram quando ele entrou. Eu não, porque saquei só depois. Aí levantei, o cidadão já tinha passado, e a moça me diz: pode sentar. Quer dizer, eu tinha mesmo que ter levantado.
Aí ele não me atendeu, mandou outros funcionários conversarem comigo. E vejam vocês, aqui essa coisa toda de hierarquia, e de formalidade e etc. e tal, isso é bem forte mesmo. E assim: pese aí o fato de eu ser mulher, claro. Porque isso sempre pesa aqui.
Tanto que no dia do bobó de camarão, eu não me toquei de uma coisa bem foda. A mulher do dono da casa não sentou para comer à mesa, conosco. Sim, é verdade. E eu não percebi, porque achei que ela estava preocupada em servir as pessoas e tal. Ou nem imaginei mesmo, tamanho o absurdo. Foi A. que notou. Mas a questão é que eu sentei à mesa com os homens, mas porque nesse caso, eu era a patroa, saca? Muito bem. É assim que funciona, vejam vocês.
Mas eu vou contar outra coisa também pra não ficar monotemático demais, só falo de machismo. Em uma outra entrevista, a gente conversando sobre os problemas do país. Aí sei lá por que cargas d'água, no meio da conversa ele me diz que o país é como a família: o presidente é o pai, a mãe são os ministros e os filhos são o povo. Pois é, cada um com suas metáforas, né?
E esse moço era cheio delas. Porque em outro momento falávamos de violência e tal, e ele argumentou que violência acontece porque atualmente os governos pecam por democracia excessiva. Pois, falou isso para mim. E eu? Ah, eu sou uma nova mulher. Botei minha cara de paisagem e fiquei quieta. Que o homi tava no território dele, eu vou arrumar briga lá? Beleza, fala o que quiser. Mas teve o arremate: um homem para ser homem deve ter respeito, medo e vergonha. Sacou?

20.3.07


"já te vejo brincando
gostando de ser
tua sombra a se multiplicar...
"

Finalmente tou lendo o Mia C*outo. Aí lembrei do amigo que quer que eu leve um romance moçambicano, mas que não seja assim, globalizado. Bem. Vou tentar levar um gibi.
E é só uma questão de ficar longe de todo mundo pra viciar no msn, né? Quando cheguei aqui eu botava ausente, já tou ficando on line o tempo todo, e daqui a pouco, converso com a lista de contatos inteira ao mesmo tempo.
Ter visto a foto da minha pequena me fez ficar pensando na minha volta ao Brasil. No quanto eu vou apertá-la, que saudade. Acho que a saudade dela é a mais difícil mesmo, o resto eu já tou tirando de letra. O começo foi mais difícil, acho.
Aí hoje fui fazer uma entrevista e o moço me convidou para lecionar aqui. Perguntou se eu nunca havia pensado na hipótese, e eu quase disse que não, mas não disse, que indelicada eu seria. Mas enfim, eu vou lá conhecer e tal. E o mais interessante são os argumentos dele. De que eu sou muito nova para fazer doutorado (claro que isso não é verdade, quer dizer, a idéia de idade para doutorado aqui e nos órgãos de fomento que eu pretendo pleitear são bem diferentes), que eu poderia passar uns dois ano aqui, lecionando. Que o sistema político aqui é um objeto de pesquisa muito interessante para uma cientista política, e etc e tal (argumentos que eu não lembro, só pra variar).
E isso me fez pensar um bocadinho, numas coisas. Não exatamente em morar aqui, mas sobre o que fazer da vida mesmo. Ficou martelando aqui na minha cabeça isso de prestar doutorado ainda esse ano, no máximo no próximo. Porque não era bem o que eu queria, né? No fundo, acho que eu queria fazer outras coisas. Que não precisar radicalizar e morar em Moçambique. Mas por outro lado, por que não?
E em relação ao doutorado. Se eu não entrar com 28, saio da tal da regra de jovens doutores e tal. Mas eu não sei se quero pautar minha vida por essas regras. E são todas perguntas, porque de repente eu tenho sim que pautar minhas escolhas em determinadas regras para determinados objetivos, e no fundo acho muito bom que todos esses questionamentos surjam.
Mas também não vou responder a nenhum deles, boa noite, muito obrigada.


19.3.07



"senhora das nuvens de chumbo
senhora do mundo, dentro de mim

rainha dos raios
tempo bom, tempo ruim..."

Ontem acabou a luz na cidade, mas a internet continuou funcionando. Então a gente ficou num breu, mas em comunicação direta com a terrinha, ae. E por falar em conexão-Brasil, hoje minha irmã fez um monte de fotos da minha sobrinha e me mandou, e eu fiquei tão emocionada. Como ela cresceu em 40 dias, tou besta mesmo. Munita que só, tá falando titi, e eu nem sei se ela ainda sabe que eu sou tia dela, mas beleza.
Aí pra continuar no assunto das pequenas e pequenos, é necessário contar procês que meu instinto maternal tá super aflorado mesmo. De um tanto que eu vejo os molequinhos por aqui e fico doida de vontade de ter um pra mim, e em muitos deles fico vendo a cara do meu filho e etc. e tal (aquilo de querer adotar, não sei se já contei isso por aqui).
Agora é claro que eu não tou dizendo isso pra dizer que vim para a África adotar criança, que eu não sou celebridade. É só porque a gente não decide adotar uma criança como decide qual sorvete tomar, então quando eu vou sentindo isso, de querer mesmo e bastante, a possibilidade vai tomando forma. E isso no Brasil, depois que eu acabar o doutorado, e de repente é interessante que ele tenha um pai, e que esse pai também concorde, enfim, tem coisa pra caramba antes, mas a vontade tá aí e é grande. Aí essa foto que eu botei é da carinha que mais me cativou até agora.
Que mais? Ah, sim. Sábado comemos um bobó de camarão aqui, feito por um paulista. Num brasiero de carvão, meio de mandioca, meio de batata (porque teve que adaptar, a mandioca tava mofada) e com um camarãozão. Acho que foi isso, se tiver errado ele me corrige. Mas a questão é que ficou bom que só a gota, visse?

17.3.07

A prometida foto. By Alexandre. Clica aí procê ver as coisas lindas que ele vê.

15.3.07

"aqui onde estão os homens
há um grande leilão
dizem que nele há uma princesa à venda
que veio junto com seus súditos
acorrentados num carro de boi
eu quero ver... quando zumbi chegar"

Da mesma forma que não sei bem por onde começar a sistematização dos muitos dados que coletei nesses últimos dias, não sei bem como começar a contar procês o que aconteceu nesses últimos dias.
É que já tinha assunto atrasado, o régulo, a balada, e agora já tem outro régulo e outras cositas, e nossa-senhora-quanta-coisa, que tem até o fato de eu ter atravessado um rio de chata (que é um barco de madeira) à noite, além de ter feito reuniões com pescadores em comunidades pesqueiras, e etc. e tal. E bota etc. e tal nisso.
A questão é que na semana passada nós fomos para um distrito rural, distante de Beira três horas de puro sacolejo. O distrito chama B*uzi, e muito bem, chegamos lá e no dia seguinte era dia internacional da mulher, aí rolou uma comemoração na praça principal (e única, acho).
E se essa celebração é sempre um grande evento, imagina num distrito rural em África. Soma-se a isso o fato de tratar-se de uma sociedade extremamente machista*. O que a gente logo vê, porque uma mulher leu uma fala sobre o nosso dia. De cabeça baixa. A autoridade fez o seu discurso. Lembrando do papel da mamãe, da esposa, e blablablá.
Aí A. tirou uma foto massa, que eu não consigo postar. Que é de uma mulher usando uma capulana da Organização das Mulheres M*oçambicanas. Eu teria tirado uma foto dela não fosse a minha preguiça, mas felizmente ele tirou. No entanto eu fiz um filminho. Que ficou meia boca demais, nossa, não dá pra publicar. E mesmo que desse. Eu não sei como e tal.
Falta dizer que rolaram danças afriacanas, crianças dançando. E quem me conhece sabe que uma coisa que eu queria na vida é dançar essas danças, o que siginifica que eu a-d-o-r-ei, mesmo. Ah, eu adorei tudo, na verdade. Fiquei bem emocionada de estar lá, com aquelas mulheres tão fortes e tão bonitas, e tão mulheres quanto eu. Porque uma delas me perguntou se na minha cidade tinha comemoração, e eu pensei na avenida paulista, e na concentração que deve ter rolado no Masp, e respondi apenas que tem sim. Comemorações diferentes sim, para sonhos iguais.

*opa, e como tem assunto nesse caldo, hein? que eu ando precisada de uma conversa de horas com a srta. mary w.

12.3.07

"peço-te o prazer legítimo
e o movimento preciso
tempo tempo tempo tempo
quando o tempo for propício..."

Então eu sumi por uns dias porque nos enfiamos no meio do mato, literalmente. E é claro que daí derivam muitos assuntos. E é claro que vocês podem não acreditar em mim, já que eu disse que tinha uns posts na manga e até agora nada. Mas logo mais eu conto sim, guenta aí.
Que hoje eu tou sem condições mesmo. Porque além do sacolejo de três horas viajando, eu tou numa tpm monstro. Coisa de disparar o coração mesmo, doer os ombros e querer chorar, e etc e tal. E tudo isso na África, bom, eu só fico pedindo pra que isso acabe logo. Sacomé, né?

5.3.07


Eu tenho que contar procês da balada, da conversa com o régulo, tenho que contar mil e mais uma coisas, mas agora mesmo li esse post da Giloca e quis manifestar minha adesão, assim, de um tanto, que só linkando mesmo. Aquela coisa toda, de dizer que eu mesma poderia ter escrito (mas não o faria tão bem).
No mais, aguardem as cenas dos próximos capítulos, que eu tenho aqui alguns rascunhos guardados na manga!

4.3.07


"eu quero que você me pegue
me abrace me aperte me beije me ame
e depois me mande embora
que eu vou feliz da vida e vitorioso
porque eu sou o seu amante amado amor..."

Foto pra contar que Beira tem praia bonita. Restaurante gostoso. Tem arroz de marisco e tem abacaxi. E que aqui um sábado pode ser um dia muito agradável.
No mais, tem o tal do relatório, aquele, quase no fim, enfim.

1.3.07

Antes de mais nada: Zaca, minha flor, um super parabéns procê, nesta data querida! Love u.
No mais, por aqui, tudo bem, melhorei, acho que era só um revertério mesmo. Hoje já tive fome, veja que progresso. E se continuar assim, volto ao meu peso rapidinho, que tudo nessa vida tem seu lado bom, né mesmo?
Mas a verdade é que eu andei meio fora do ar esses dias. Sei não por onde andei.
Hoje eu só queria mesmo tomar uma cerveja na Augusta com as meninas, e rir muito da nossa semana, e no domingón ir à liberté e depois contar para S. o que ela perdeu. No sábado eu veria a minha pequena, e almoçaria feijãozinho de mi mamá.
Mas a parte de rir com as amigas dá pra fazer via msn, né? Reclamar também dá. Hoje eu ri muito com a nova descoberta de uma espécie de homem em extinção, o fofidius rarus. E daqueles seres humanos empata-fodas. E de uma outra amiga ainda ouvi: e se você nunca mais voltar, como eu faço pra chegar aí? Fofa.
Mas nem carece disso não, visse?